Arto Lindsay

Pauta: André Lavaquial, Bernardo Oliveira e Bruno Cosentino. Edição de texto: Bruno Cosentino, Marcos Lacerda e Paulo da Costa.
Ensaio fotográfico: Ana Alexandrino. Vídeo: Laura Casasfranco. Áudio: Felipe Arenas. Edição de imagens: Laura Casasfranco.

Arto Lindsay nasceu na Virginia, cresceu entre Garanhuns e Recife, fez faculdade em Nova York e lá criou o DNA, uma das bandas mais influentes do underground musical novaiorquino na década de 1970, conhecido como “No wave”. De volta ao Brasil, se tornou produtor musical onipresente, à frente de discos importantes de Caetano Veloso, Marisa Monte, Gal Costa e Nação Zumbi. Em seus shows solo, não se pode ignorar o impacto causado pelo estranhamento de sua voz macia e melodiosa deslizando sobre a base da guitarra plena de ruídos. Ultimamente, tem se apresentado com frequência no projeto Quintavant, junto a uma nova cena de músicos improvisadores que “fazem residência” no estúdio/casa de show Audio Rebel, no Rio de Janeiro. Nesta entrevista concedida a Polivox, ele conta um pouco de sua trajetória musical, fala sobre vanguarda, estrelato, artes plásticas, samba, as “paradas” e muitos outros assuntos. Gostaríamos de agradecer especialmente a Bernardo Oliveira, que nos cedeu sua casa e intermediou o contato com nosso entrevistado.

Fotografia de Ana Alexandrino. 

INFÂNCIA, EUA, BRASIL, CANÇÃO POPULAR, PERCUSSÃO, CARNAVAL E FREE JAZZ

Bernardo Oliveira – Você trouxe meu cd?

Arto Lindsay – Não trouxe, cheguei na porta… 

Bernardo Oliveira – Tô muito curioso, naquela foto era teu pai? 

Arto Lindsay – Era meu pai na faculdade. Antes dele virar pastor, ele pensava também em ser escritor. Ele e os amigos dele fizeram a encenação de um suicídio. Então, tem uma foto que é meu pai sentado na janela com cara de nada e o amigo dele fazendo assim e aí tem uma foto do meu pai caindo e outra dele deitado no chão; com sei lá… 19 anos. 

Bernardo Oliveira – Isso na Virgínia?

Arto Lindsay – Não, na Carolina do Norte, ele estudou numa escola chamada Davidson, uma faculdade muito boa, eu devia ter feito essa faculdade, mas eu queria evitar o caminho dele, sabe?

Bernardo Oliveira – Teu pai era quaker?

Arto Lindsay – Não. Presbiteriano. Missionário aqui no interior, em Garanhuns; mas não era um evangelista, nunca foi evangelista, ele era professor e diretor de uma escola fundada pelos americanos quando não tinha muitas escolas no interior de Pernambuco. 

Bernardo Oliveira – Só pra eu entender o percurso, é uma coisa meio chata, mas…

Arto Lindsay – Tudo bem, pode falar.

Bernardo Oliveira – Carolina, Virgínia…

Arto Lindsay – Não, meu pai é da Carolina do Sul. Ele casou com a minha mãe, estudou na Virgínia e eu nasci lá. Aí, eles vieram pro Brasil.

Bernardo Oliveira – Isso é o quê, 1950…

Arto Lindsay – 1956, viemos pro Brasil.

Bernardo Oliveira – Então faz sentido quando dizem que você estava aqui no período tropicalista?

Arto Lindsay – Claro, porque eu só fui embora em 1970. É uma maneira de definir a carreira de uma pessoa em poucas frases. Aí, eles ligam sempre a isso, né? Cresceu no Brasil no período tropicalista; é uma palavra que as pessoas tem uma referência.

Bernardo Oliveira – Porque, a rigor, você cresceu num período com muito mais coisa; teve bossa nova, teve Jackson do Pandeiro, teve Luiz Gonzaga…

Arto Lindsay – Muito Gonzaga! Porque na época, em Garanhuns, não tinha televisão. Então, minha mãe gostava muito de João Gilberto, Dorival Caymmi, comprava esses discos. Mas a televisão chegou. Aí, chegou Elis Regina e Jair Rodrigues e depois veio Roberto Carlos, tropicália, os festivais. Aquilo tudo, a gente viu lá. 

Bruno Cosentino – Fora o tropicalismo, que estava acontecendo no sudeste e vocês viam pela televisão, o que rolava lá, localmente?

Arto Lindsay – Por exemplo, todas essas bandas psicodélicas pernambucanas, cujos LPs ficaram valiosíssimos depois. Quando fui morar em Recife, fiquei amigo do Robertinho do Recife. Eu participava de uma banda de gringos da escola e alguns caras foram embora e aí a gente fundiu a nossa banda com a banda do Robertinho, que chamava Bambinos; aí, acabamos fazendo uma banda durante seis meses. Fizemos vários shows. 

André Lavaquial – Arto, você tem uma pesquisa rítmica profunda na execução da guitarra e eu queria entender em que medida esse contato que você teve com os ritmos brasileiros se deu nesse momento em Pernambuco.

Arto Lindsay – Começou ali, mas não de uma maneira formal. Por exemplo, no início da minha adolescência, a gente ia pra umas matinês dançantes e dançava uns boleros coladinhos, que era meio forró, meio bolero, sabe? Aquela dança, aquela coisa de dança social  pernambucana da época. Mas eu assistia caboclinho, tenho memórias vívidas de ter visto caboclinho no carnaval, orquestra de frevo… Não lembro de ter visto maracatus nessa época, mas quando depois eu ouvi os discos, eu reconheci imediatamente aquilo. Escutava muito forró e muito frevo! E minha mãe era uma ótima pianista. Ela tocava em casa Chopin, essas coisas, e ela nunca seguiu carreira, mas ela era muito boa, um toque lindo, um jeito lindo. Foi ela quem me chamou a atenção para o Caetano, pela televisão, achava ele bonitinho.

Bernardo Oliveira – Nessa época você já tem esse encontro com as “paradas”?

Arto Lindsay – Com certeza, o carnaval. Minha primeira memória de carnaval é de uns blocos, uma confusão na rua em Garanhuns. E eu lembro do pai de um amigo meu vestido de mulher, bêbado, em cima do capote do carro. Não entendi nada. Uma memória incrível, porque era um pai pernambucano da época, imagina, vestido de mulher! Depois, no Recife, eu vi várias manifestações carnavalescas. O caboclinho é incrível, né? Porque eles avançam em cima do público. São uns caras vestidos de índio. Aí, tem aquela coisa como se fosse um arco com uma flecha presa, eles vão avançando, de repente, eles correm pra cima do público. As crianças ficam com medo. Tinha muito carnaval de clube. Tinha o xangô também. O xangô aberto, que eu assisti várias vezes, era um candomblé, que chama de xangô lá. Um lugar sem paredes, uma cobertura, em volta uma festa, uma feira e no meio rolando o maior xangô.

André Lavaquial – Você tem alguma lembrança das suas impressões diante do toque da percussão?

Arto Lindsay – Eu não questionava muito aquilo. Eu via algumas vezes pessoas em transe e achei que era aquilo mesmo. Achei forte! Mas não sei… Era mais captar do que tentar classificar. Mas essa coisa do desfile, depois transformei numa coisa de performance, mesmo sabendo que o envolvimento de artistas com desfiles é comum, parecido de quando eu comecei a tocar guitarra. Eu peguei a guitarra e comecei a tocar sem saber tocar harmonia. Mas eu já imaginava, eu sabia, tinha que existir gente fazendo isso já. Se tem free jazz, tem o cara tocando free jazz em guitarra! Tudo bem que eu nunca ouvi o cara, mas eu sei que ele está lá. Então, eu não imaginei que nenhum desses gestos fosse original nesse sentido.

MÚSICA E ARTE DE VANGUARDA, ESTRELATO E A QUESTÃO DO “NOVO”

Bruno Cosentino – Arto, eu queria saber o que é música de vanguarda pra você e se você faz música de vanguarda? Porque a questão do “novo” é controversa. O que você falou é o contrário disso: “eu sabia que já tinha gente fazendo, eu não tava pensando que estava fazendo alguma coisa original”.

Arto Lindsay – Na verdade, eu escolhi esse método pensando que ia entrar numa coisa que já tava rolando, mas sempre me interessou o novo. Eu me associei às pessoas que acreditavam no novo. Tanto que nunca me senti confortável na primeira maneira das pessoas entenderem o pós-modernismo, de ser uma mistura de estilos já feitos ou já estabelecidos. Até pelo estilo, digamos assim, não é uma questão de colcha de retalhos, é mais um gesto só, digamos assim. Se eu considero que eu faço vanguarda? Sim, só que eu acho que a vanguarda já virou um estilo. E acho que é necessário mais do que simplesmente exercer esse estilo pra ser realmente novo. Fico excitado quando escuto uma coisa que eu acho que é nova, que é boa. Por exemplo, na música, acho que James Blake talvez tenha sido o último momento em que eu fiquei “uau!”.

André Lavaquial – Arto, seu gesto artístico, ele é dual, a sua voz é melódica e de alguma maneira é a representação da beleza e a sua guitarra é agressiva, tá ali jogando, antagonizando. Essa dualidade é um traço da sua obra musical?

Arto Lindsay – Com certeza, ela é um traço, um método, um tropo, uma figura de linguagem. Não tô muito consciente disso e tento embaralhar isso de vez em quando. Engraçado, porque quando eu comecei, eu pensei muito sobre o assunto. Porque eu me interessei tanto no artista de vanguarda, do lado do Jimi Hendrix, que vai direto pro som, do Miles Davis, mas eu era interessado e continuo muito interessado no estrelato em si, nessa posição que a gente cria, a gente gosta disso, a gente quer alguém com quem se identificar. Então, essa posição, que é o cara no palco, que é uma coisa do teatro, da religião, fica uma pessoa na frente representando a gente, a gente deixa a pessoa fazer mais do que a gente deixaria fazer, a gente quer comer essa pessoa, a gente quer despir, estraçalhar, engolir, comer em todos os sentidos; então, essa coisa de palco, quando eu comecei o DNA, eu era muito interessado nisso. Eu tentei criar um personagem que eu poderia deixar de ser também e depois voltar a ser. De complexificar um pouco. Tinha uma música que eu fazia voz de homem e voz de mulher, sabe? E eu ouvia muita música soul e isso é muito forte no soul, aquele homem que é querido pelas mulheres, mas tem a voz mais fina. É exatamente o andrógino o que as mulheres mais desejam. Então, toda essa história, eu fazia isso muito conscientemente, mas eu não dialogava tanto sobre isso, era uma coisa minha. Infelizmente eu era muito inocente em termos do uso da mídia, da posição, das discográficas; tava muito mais envolvido com a coisa ali, meus amigos, mil histórias. E isso, de alguma forma, foi bom pra mim. Por outro lado foi ruim, porque minha carreira sempre ficou um pouco restrita aos entendidos.

Bernardo Oliveira – Na entrevista do Red Bull, você diz que quando começou o DNA, a intenção era virar um pop star.

Arto Lindsay – É… a gente achava que ia explodir. Só que fomos vistos como os mais vanguardistas dos vanguardistas, sabe? (Risos). Os mais negativos e niilistas!

Bruno Cosentino – Nessa mesma entrevista, você diz que chegou a Nova York influenciado por uma alta dose de experimentalismo que se fazia na música brasileira e que essas canções eram hits no Brasil. Em Nova York, ao contrário, você diz, “eu achei que a gente fazendo a coisa mais radical é que a gente ia agradar mais”. E não foi exatamente o que aconteceu. Existe um pouco de frustração por não ter feito hits. Eu queria saber qual é a importância de uma canção se tornar hit?

Arto Lindsay – Eu acho que é o seguinte: de alguma forma, eu quis ser uma estrela, de outra forma, não, entendeu? Existe essa ambiguidade desde sempre ou senão eu teria corrido atrás mais diretamente. Não é uma coisa que me faça sofrer. A minha vida não me interessa menos porque não sou estrela e também eu vejo como é difícil você ser uma estrela e continuar bom artista. Já trabalhei com várias estrelas e não é fácil. Fica todo mundo te dizendo que você é o máximo e você acaba acreditando. Quando você, de vez em quando, pode ser o máximo, mas não é sempre o máximo; ninguém é, entendeu?

André Lavaquial – Quando você está no palco improvisando, o que é errar é muito relativo, não é? E existem alguns momentos em que você está ali diante do seu limite como músico, às vezes pode ser físico, às vezes pode ser de imaginação. Como é esse lugar: o limite?

Arto Lindsay – Esse é o lugar que você precisa chegar pra ver se é bom mesmo, mas é o lugar que ninguém quer chegar também, porque é aquele vácuo incrível. Você tem que sair dali de alguma maneira. Ali não é um erro, é uma coisa que acontece e muitas vezes acontece porque você entra no automático. Apesar de ser improviso, você tá ali naquele gesto, é uma coisa mecânica, física, você já fez muitas vezes, você sabe e você se perde, faz parte do improviso livre. Nesse momento, normalmente você para, mas às vezes tocou 15 e precisa tocar mais 15 minutos. Aí, você se vira de alguma maneira. Isso é diferente de um erro. Um erro, na música improvisada, não sei… Existe erro de gosto, que é quando você tá cantando uns pedaços de alguma música e não dá nada certo no contexto, existe erro de intensidade, porque tem horas no improviso, pelo menos como eu ouço, que a intencionalidade é super importante e tem outras horas que a intencionalidade fica fora, tá errado, não cai bem. E esses tipos de erro fazem parte da experiência do decorrer da improvisação. Não são fatais. O fatal é não ter graça. E isso não é exatamente um erro, é você não conseguir captar seu próprio interesse e muito menos o interesse das outras pessoas com aquilo que você está fazendo.

Bernardo Oliveira – Talvez o nome “improviso”, se a gente olha a música improvisada hoje, a impressão que dá é que o termo não é exatamente esse.

Arto Lindsay – Não, não é. Porque no DNA a gente não gostava dos improvisadores daquele momento. Eles falavam em termos de textura, eles tinham uma regra que não podiam falar um com o outro antes do show. E a gente era contra isso. A gente tinha o vocabulário da banda. Era o seguinte: a gente só pode improvisar no topo da montanha. Então, a gente se esforçava muito para fazer uma coisa que era difícil pra gente fisicamente e aí, num esforço atlético mesmo, quando a gente chegava naquele ponto, a gente podia descabelar um pouquinho. E depois do DNA, eu comecei a ser chamado para improvisar com esses caras. E detestava esse negócio de não poder falar nada. E eu gostava de ritmo, eu ficava trocando de ritmos ou modificando o ritmo – era o meu lance – e eles eram contra qualquer ritmo inteligível, entendeu? Agora, eu sempre achei o termo errado, porque você vai improvisar, mas o cara faz a mesma coisa, o cara do trombone só troca a embocadura, o outro só toca aqui na parte de cima das cordas do cello…

Bernardo Oliveira – Clichês, né?

Arto Lindsay – Clichês ou métodos, sei lá… Sem ser depreciativo, mas era sempre a mesma coisa. Que improviso é esse? E também tinha essa coisa de os caras se acharem como desbravadores. Gente, isso tá rolando há muito tempo, você não tá desbravando nada? Quebra uma nova regra, véio! Quer quebrar regra, aprende o que tá rolando no momento e quebra aquilo se é isso que você quer fazer! Eu repito várias vezes que Prince é muito mais inovador do que aquela turma, sem mencionar nomes, ali do downtown em Nova York, que era a mesma história sempre. E o cara não, todo o disco era uma… sabe? Secava completamente, de repente o bumbo é um taquinho de nada. Muda tudo.

Bruno Cosentino – Você falou que no DNA você não improvisava. Eu queria saber como é que vocês construíam aquilo, porque é uma organização do caos, não soa construído, como algo arranjado, soa espontâneo, surgido no momento.

Arto Lindsay – Engraçado, porque pra gente era um esforço muito grande tentar criar umas formas. Uma coisa que a gente fazia, por exemplo, era criar pedacinhos e depois embaralhá-los e depois tentar tocá-los como se tivessem sido feitos nessa ordem. E outra coisa era sobrepor tipos de gestos. Gestos musicais num sentido maior, não somente no sentido do gesto físico, mas também tinham uns que eram baseados numa coisa física. Bater no instrumento era a última etapa de uma série de movimentos. Aí, o ritmo vinha de uma coisa que você fazia antes de tocar. Algumas começavam com a letra, mas a gente tentava ilustrar… Tem uma que eu fiquei meio obcecado por uma capa de revista que era um índio e um caubói lutando e atrás os cavalos dos dois lutando. Eu achava isso muito engraçado. Então, teve um negócio que a gente tentou fazer uma coisa de horizonte, um instrumento era o horizonte, o outro era o incidente; eram coisas muito abstratas.

Bruno Cosentino – A arte de vanguarda fica sempre entre o espontâneo e uma extrema racionalidade; o surrealismo e o serialismo, por exemplo. Como isso se resolve em você, quando você tá tocando, cantando; como você dosa o instintivo e o racional?

Arto Lindsay – Isso é uma coisa que é muito comum na arte da vanguarda, não é uma definição, digamos assim, mas eu uso muito isso, porque tenho pouquíssima técnica. Muitas vezes, eu crio em termos de blocos e vou preenchendo os blocos de alguma forma, porque aí eu já posso criar uma estrutura meio sofisticada. Mas eu devo ter ouvido falar disso no trabalho do John Cage, que é muito assim.

Bernardo Oliveira – A ideia de chance operations é exatamente essa, né?

Arto Lindsay – É, o Cage é engraçado, porque ele usa essas operações do acaso pra criar uma partitura que é fixa e aí tem a questão do indeterminate – indeterminado – e o undeterminate – não determinado…

Bernardo Oliveira – Esse aí estaria mais próximo do improviso.

Arto Lindsay – É… Como qualquer dualidade, essas dualidades também prendem. Aí você começa com essa oposição entre uma coisa geométrica e uma coisa orgânica e depois você tenta passar além dessa dualidade, tenta criar uma forma que seja os dois ou pensar de outra maneira completamente diferente. Eu acredito que essa é uma dentre várias questões.

READY-MADE, DNA, JOÃO GILBERTO E PAULL NISSEN LOVE

Bernardo Oliveira – Existe um objeto técnico estético, um ready-made, que a gente normalmente chama de guitarra, e que se a gente pensar na sua carreira pós DNA, anos 80 até meados dos anos 90, hoje também, claro, mas se vc pega assim, Golden Palouminos, você pega Lounge Lizards, você faz até uma piada, ah Lounge Lizards era uma banda de jazz plus me, eu quero que você fale um pouco dessa guitarra, que guitarra é essa, como ela apareceu, porque cara, na boa, assim, eu, década de 80 no Brasil, a guitarra distorcida tinha um peso cultural alienígena , não existia guitarra distorcida no Brasil, não sei se você lembra disso, década de 80, guitarra distorcida era uma coisa monstruosa, Titãs usava uma distorção levíssima. Quando o metálica começa a fazer algo assim aquela distorção chega com o Rock in Rio, é uma agressão grande, aquilo ali não é música, você subir no palco e não fazer acordes, aquilo causaria uma revolta aqui…

Arto Lindsay – Mas causou uma revolta…

Bernardo Oliveira – Então, eu queria que você falasse como você desenvolve esse ready made e que você fale um pouco da consolidação de determinadas técnicas que você mesmo desenvolve – você fala “eu não tenho técnica”, ora…

Arto Lindsay – Não, hoje eu tenho…

Bernardo Oliveira – O barato da técnica é exatamente esse, você ter uma margem de indeterminação do objeto técnico, que você pode manipular criativamente. Quando é que começa isso?

Arto Lindsay – Começa da seguinte maneira: meus amigos tinham uma banda. Eram muito influenciados pelo Velvet underground e por outras coisas inclusive, Miles, não sei que, também o Roxy music , muito. Então, aí eu estava sempre com eles nas gigs, não tinham sido muitas, e o cara que marcava os shows um dia me falou: “e a sua banda, quando é que vai tocar aqui?” E eu não tinha banda, aí eu menti, é… e fechei uma data; aí fui comprar uma guitarra, tentei formar uma banda e formei a banda e fiz o show. Foi muito rápido, foi uma questão de dois meses.

Bernardo Oliveira – Isso é o quê, 76?

Arto Lindsay – 77, eu acho. Aí eu acho que eu fiz exatamente isso que eu conversei no início. Eu sabia que tinha gente fazendo esse tipo de coisa, então eu fiz, eu quis tocar guitarra louca, digamos assim, sabia que existia esses caras fazendo, tanto que as primeiras coisas que escreveram sobre a gente, um dos primeiros artigos que saíram sobre o DNA, o cara falou sobre Derek Bailey, Fred Frith, aí fui procurar os caras que eu já imaginava que estavam… Vi o contexto dele… Aliás, as primeiras coisas que eu encontrei de Fred Frith não tinham nada a ver com aquilo, eram bem mais convencionais… Aí eu comecei tocando a guitarra nesse sentido. Se você for ouvir as gravações do DNA, eu não usava pedal, era muito alto e era muito agudo o som da guitarra, entendeu? Eu fui aos poucos descobrindo o grave e usando a guitarra de uma maneira mais consciente …A minha ideia da guitarra era deixar que as técnicas viessem por si só, eu sempre falei que ela, quando a gente tem a grama, a gente tira os weeds, como se diz em português?

Bernardo Oliveira – As ervas daninhas.

Arto Lindsay – As ervas daninhas, então, eu queria que ela crescesse sem que alguém tirasse as ervas daninhas, unweeded, que também é uma piada, porque weed também quer dizer maconha. Obviamente, ela não cresceu sem maconha, a minha guitarra (risos). Então, aí eu deixei ela, aí eu fui identificando o jeito, fui tentando me encaixar. Quando eu comecei a fazer música, eu adorava música, eu escutava sem parar, sabe, e tinha o meu ponto de vista muito desenvolvido sobre algumas coisas, mas era completamente ignorante sobre outras coisas, por exemplo, contagem. No DNA, a gente fazia nossa própria contagem, o Tim Wright, o baixista, ele vinha de uma contagem certa, mas a gente se acertava com ele, da nossa maneira – até eu devia tentar me lembrar de como a gente fazia isso, interessante isso… Mas quando eu fui tocar com o Lounge lizards, eles tocavam, bom, essa música é em quatro, essa música é em cinco, eu, “como?!” (risos). Eu sabia que existia samba, rock, funk, mas não sabia, essa ideia de compasso era desconhecida pra mim. Então eu fui aprendendo a lidar… aprendendo sobre estrutura musical tradicional e pensando em como inserir minha guitarra sem nunca aplicar essa teoria diretamente pra guitarra, se você me entende? Tinha um texto interessante, que era uma contracapa do disco do Chet baker sobre o pianista dele, que também era junkie, eu sei que ele morreu cedo, talvez de overdose, provavelmente, mas era um pianista, e tava escrito ali que ele fazia a mesma coisa em muitos contextos diferentes. O grande lance dele era entender como inserir um mesmo gesto em vários lugares, como fazer ele funcionar durante… eu não entendia a que aquilo se referia, mas eu achei aquilo super interessante, então eu usei essa ideia um pouco, de sempre fazer a mesma coisa. Sempre os percussionistas e os bateristas que me aceitavam de primeira, sabe? Mas tinha essa resistência do público, porque a gente em vez de querer tocar num lugar de vanguarda, a gente queria fazer o nosso som nos clubes de rock, de música popular, entendeu, era uma postura também desde o início.

Bernardo Oliveira – E você ainda hoje pára em casa, pega a guitarra, “vou testar coisas novas”, tem isso ainda?

Arto Lindsay – Não. Não vou mentir.

Bernardo Oliveira – Eu tô perguntando porque realmente soa diferente…

Arto Lindsay – Mas aí é porque eu faço muito, eu toco muito, nesses últimos três ou quatro anos que eu fiz muitos shows solo, eu desenvolvi muita coisa, porque eu tive que enfrentar público sem os outros músicos, entendeu, aí eu passei por muitos perrengues com essa coisa de não aprender técnicas mais convencionais, porque eu em vez de… eu nunca fui atraído por músicos tipo eu ou um pouquinho mais técnicos do que eu, sabe, tipo indie, eu nunca gostei daquilo, eu sempre quis tocar com os caras com muita pegada rítmica e junto com esses caras chegaram caras como o Melvin, entendeu, que nunca parou de aprender harmonia, e eu trouxe ele pro Brasil e ele saiu no Olodum e fizemos muita coisa no Brasil juntos. Tocou com todo mundo que eu produzi brasileiro; tocou muito com Naná, gravou muito com Naná…

André Lavaquial – Sobre a sua última apresentação com o Pall Nilsen Love, o Pall Nilsen Love, um mestre do ritmo, né, vocês estão no mesmo lugar rítmico, dialogando num mesmo lugar de consciência rítmica. Então eu achei esse encontro muito bonito ali.

Arto Lindsay – Sabe o que eu pensei, ele ficou uma semana aqui, Bernardo levou ele em vários sambas aqui. Ele tava imbuído do samba. Agora eu vou tocar com ele de novo alguns meses depois. Eu quero ver o samba dele o quanto pegou. Eu adoro escutar, sabe, eu não tenho som em casa – pecado né? – e também não tenho vitrola, desculpa aí vocês que são do culto do vinil; então eu escuto num fone que eu tenho, que é bom, e cara, os discos do João Gilberto, aqueles dois primeiros discos, eu posso ouvir aqueles discos até morrer e sempre vou escutar alguma coisa nova, sempre vou ouvir um negócio ali, de um jeito… Tem muita informação naqueles discos, entendeu, tem muita informação naqueles discos, sabe? Eu li algo sobre John Cage ter sempre falado mal de disco, “na minha casa não tem disco”, e o Derek Bailey também, de outro tipo de música de vanguarda, todo mundo fala mal de disco, porém os discos dos caras tiveram uma grande influência sobre muitas pessoas que só puderam ouvir a música deles via disco, e que, apesar do Cage, é muito a cara do Cage, ele fala mal do disco mas ele usa o disco de uma maneira muito pontual pra avançar as suas ideias, pra propagar as suas ideias, é muito safo o velho. Mas então… aí, eu também nunca escuto música improvisada em disco, sempre detestei, sempre falei mal, é horrível, geralmente; aí, tô fazendo esses discos que todo mundo acha bom, mas eu… vou escutar quem? Já escutei algumas coisas de Derek Bailey, porque tive poucas chances de ouvi-lo ao vivo, eu ouvi algumas vezes e gosto muito de jazz, entendeu, mas eu vou aprender muito mais ouvindo Miles… Sabe o que eu tô ouvindo agora? Mas isso é jazz, é improvisado também, mas é muito bom, é Wayne Shorter, tô nessa há alguns anos.

PERFORMANCE, ARTES PLÁSTICAS E POESIA

Bruno Cosentino – Mas o que eu digo é da depuração, porque tem muitos guitarristas que exploram timbristicamente o seu instrumento, a guitarra, mas eu senti no dia da apresentação na Casa França Brasil (RJ) que existe uma espécie de decantamento do som da sua guitarra. Eu queria saber se isso é um objeto de pesquisa seu constante?

Arto Lindsay – É o seguinte: é constante, toda a vez que eu toco, entendeu, mas eu não fico em casa… Mas eu canto, eu danço, eu me imagino, não tem aquela coisa do esquiador, que antes de dormir ele se imagina dando cambalhotas no ar, aí ele….

Bernardo Oliveira – Como é essa coisa aí que você falou do esquiador? (Risos)

Arto Lindsay – Não, tem uma técnica de atletismo que você antes de dormir, na hora que você se deita, deita na cama, e você imagina que está vencendo, está correndo mais rápido que o outro, aí chega naquela hora, ele quase me alcança, mas aí vem uma energia não sei de onde e… aí eu consigo vencer a corrida. Você imagina aquelas etapas. Então, eu confesso que eu uso essa técnica um pouco.

Bruno Cosentino – Você imagina a performance, é isso?

Arto Lindsay – Um pouco… Rapidinho, no táxi, tô indo, aí, vou chegar, vou pã pã pã, não faço nada daquilo, mas abre uns caminhos, entendeu?

Bernardo Oliveira – É porque não é uma questão só de notas, acordes, posições, é um jogo de corpo. Você falou da dança, envolve dança, envolve…

Arto Lindsay – Mas é muita escuta  é muita escuta…

Bruno Cosentino – Mas isso tem a ver com o lance das artes plásticas, que a gente podia entrar, porque na entrevista para o Red Bull (link), você falou que quando você formou o DNA, você tava preocupado com o conceito, então, as influências, seu jeito de tocar música, de fazer música, ele não tá exatamente estimulado por música, tá por gestos, tá por maneiras de criar estruturas.

Arto Lindsay – São duas coisas, com certeza tá muito estimulado por música e essa coisa dos gestos é uma outra maneira de entender como se faz música. Agora também, eu sempre me interessei muito nos conceitos; isso talvez remete mais àquela outra pergunta que você fez sobre os blocos … porém, o Sakamoto, que é um cara ultra escolado, mas que também sempre se interessou em coisa de vanguarda, coisa eletrônica, entendeu, ele também age assim, é um ponto de encontro entre nós, é essa coisa de compor por bloco, digamos assim, ele também compõe com ready mades de músicas clássicas…

Bruno Cosentino – Eu te perguntei isso porque você disse que gosta de poesia, que foi o contato com a poesia que fez você começar a entender como você funcionava, mas a poesia não está pra você como ela está para alguns artistas, de uma forma mais evidente, ou para outros, parece, até como uma forma de legitimar sua música. Que poetas são esses e de que maneira eles estão na sua música, porque se estão, estão de maneira mais difusa, não está na linguagem em si.

Arto Lindsay – Sim, exatamente, não tanto a linguagem em si, mas como a maneira de se constituir, como se constitui a poesia, como ela é feita, de junção de elementos diversos, de mudanças digamos da frase, da respiração, do gesto. A poesia, ela é, digamos, a arte central, ela é a arte que proporciona o auto entendimento das outras artes… Mas os poetas que me entusiasmaram foram os poetas normais, o Rimbaud, o ee cummings, aliás eu tinha uma professora de inglês na escola americana, que ela falava “você não pode partir para o verso livre antes de você dominar as formas poéticas”, seriam os sonetos Domine primeiro a forma pra depois quebrá-la, mas eu não agi assim. Mas ela sempre falou isso. Então já me entusiasmava muito com poesia, entendeu, mas eu acho que isso é… a minha adolescência foi no início dos anos 60, entendeu, mas não fui um artista dos anos 60. Então, por exemplo, quando você pensa no Chico Buarque, no Caetano, Gil, , nessa geração desses caras, a gente tem que lembrar que eles são dos anos 40 e que eles eram adolescentes nos anos 50, então, as referências eram muito diferentes.

ARTO PRODUTOR

Bernardo Oliveira – O que significa Arto Lindsay produtor, que porra é essa? Porque não faz o menor sentido isso, de repente você é um produtor que assim… eu até falei pra eles, o Caetano da década de 80 pra década de 90 e boa parte da música da década de 90 é influenciada por aquelas produções do Arto Lindsay…

Arto Lindsay – Com certeza, mas aquilo…

Bernardo Oliveira – Mas porque eu tô perguntando isso, é aquilo que eu te falei, você tem artistas conciliadores, Caetano, Bowie, talvez um pouco David Byrne, e eu vejo artistas que não são exatamente conciliadores, mas são fio desencapado mesmo, criando curto circuitos, Lou Reed, Brien Eno, Arto Lindsay. O que significa você chegar ao Brasil e produzir um disco, quer dizer, é estranho pra cacete isso…

Arto Lindsay – Mas foi uma questão do acaso, bem sucedido, porque eu fiz um disco onde eu tentei misturar samba e soul music sem realmente entender o que era ser um cantor, sabe, e aí fui fazendo aquilo, aquele primeiro disco, Envy, do Ambitious Lovers, aí trouxe pro Brasil, queria lançar aqui, já conhecia Caetano de Nova York, tinha conhecido ele quando ele foi pra lá, e aí tínhamos ficado amigos, aí eu levei o disco na casa dele, e em várias gravadoras, ninguém quis lançar o disco, porém, o Caetano adorou o disco, ele deu pra várias pessoas, Cazuza,  fiquei amigo de várias pessoas naquele momento, ele deu pro Lulu Santos, que gostou também e comecei uma conversa com várias pessoas aqui, aí fui formalizando o Ambitious Lovers com o Peter Sherer, que eu tinha chamado pra fazer aquele disco comigo, mas não era um duo, aí a gente se deu super bem, “vamos fazer um banda?”, pronto, “vamos, nós dois”, aí gravamos um disco e Caetano adorou o disco e tocou essa música no show dele e estávamos formando uma amizade musical e artística, e o diretor da gravadora do Caetano nos Estados Unidos teve a ideia de que a gente produzisse o disco dele, a ideia não veio da gente.

Bernardo Oliveira – Seria “O estrangeiro”…

Arto Lindsay – Seria “O estrangeiro”.

Bernardo Oliveira – Mas o Caetano… antes você fez alguma coisa, não fez, ali?

Arto Lindsay – Não. A primeira coisa assim, gravação, foi “O estrangeiro”. O Caetano já tinha tocado a nossa música no show e tem aquele disco dele chamado “Caetano”, que tem pessoas vestidas de egípcios na capa, então, tem alguém dando uma fita cassete, só que na foto você não vê o nome do cassete, mas é uma cassete da nossa banda, que ele queria que aparecesse o nosso nome ali, só que a foto saiu desfocada ali, então, já existia essa aproximação, mas foi o cara da gravadora que… é um cara legal, mas é um cara de gravadora (risos) típico, né, um bom cara, e teve essa ideia, então a gente fez o disco. Aí o Caetano queria fazer mais um com a gente, mas aí o Peter não queria vir mais ao Brasil, ele teve algumas experiências ruins no Brasil e não queria vir mais e aí eu fiz o “Circuladô” sozinho. A Marisa também queria que a gente fizesse, pagaram a passagem pra gente vir pro Brasil, vimos um show dela, no dia seguinte tivemos uma reunião, ela falou em português, eu traduzindo, mas Peter achou que não era com ele, era só comigo…

Bernardo Oliveira – “Mais” foi um disco que te consolidou como o produtor do Brasil naquele momento, né? “Sorriso do gato de Alice” foi você que fez?

Arto Lindsay – Foi.

Bernardo Oliveira – Aí de 89 à 94…

Arto Lindsay – Alfagamabetizado.

Bernardo Oliveira – Alfagamabetizado… quer dizer, toda… você só faltou produzir o Chico Science e Nação Zumbi… você fazia toda…

Arto Lindsay – Mas eu tava conversando com o Chico, tava pra produzir esse disco, aí eu viajei, aí eu falei pros caras da gravadora, isso pela internet, eu falei “vou passar um mês na estrada, vou pro Japão, a gente só vai começar daqui a um mês”, aí voltei, aí o Liminha, vupt, tinha pego o disco. A gravadora ficou achando um pouco que eu ia cobrar muito, não sei se eles procuraram o Liminha ou se o Liminha viu uma brecha ali, e também faz parte do jogo, não é nada antiético, sabe, não tinha contrato, não tinha nada, e depois eu produzi várias coisas com eles.

Bernardo Oliveira – Que outras coisas?

Arto Lindsay – Eu produzi o primeiro disco póstumo, um duplo, eu fiz um dos remixes, aí eu produzi quatro faixas de um outro disco, que eram vários produtores, aí eu produzi aquela, aquele disco que tem (canta) “Meu maracatu pesa uma tonelada”.

Bernardo Oliveira – Clássica, essa você produziu?

Arto Lindsay – Produzi. Outra muito boa que é “Toalha nova não enxuga”, não me lembro da melodia. Essa frase, cara, aliás o disco novo eu não ouvi até o fim, mas o que eu ouvi eu gostei muito, o Jorge tá…

COMPETIÇÃO, COOPERAÇÃO ENTRE ARTISTAS E A INDÚSTRIA CULTURAL HOJE

Bruno Cosentino – Um papo que tava tendo com o Paulo da Costa, editor da revista também, sobre competição entre artistas. Eu não acredito que a competição de mercado seja algo que possa favorecer, eu acredito mais na cooperação, mas ao mesmo tempo casos de competição específicos, como tem Chico Buarque e Caetano, tiveram Lennon e Mcartney, algo velado, competição que faz você querer se superar… mas isso existia porque existia mais espaço pra protagonismos no mundo da música pop, e hoje em dia tá tudo fragmentado…

Arto Lindsay – Eu acho legal isso! Porque eu acho saudável você querer correr mais rápido, você querer pular mais alto, você querer trepar mais vezes, sei lá… o que for, você querer… ser o melhor! Eu acho que isso é natural, entendeu, e a gente quer ser melhor, entendeu, isso pode ir longe demais, quer dizer, pode virar uma coisa ruim, mas também pode virar uma coisa muito boa, entendeu, e eu acho que hoje em dia, eu discordo, eu acho que hoje em dia… hoje em dia é mais difícil, você tem razão, é mais difícil hoje esse protagonismo, mas não é impossível, e deve existir competição, entendeu, sei lá… quem seriam os caras que estariam competindo hoje? Beck, Devendra…

Bernardo Oliveira – Eu acho que o Bruno tá se referindo mais às polêmicas que são no nível da música mas também, de um nível ligado a uma coisa maior, que aí seria a minha próxima pergunta, que tá ligada à indústria cultural, de uma certa forma…

Arto Lindsay – Naquela época, como estamos cansados de saber, a música, ela tinha muito mais peso cultural, social, do que ela tem hoje em dia, sabe, ela realmente reunia todo mundo, sabe, era bem diferente, é… o que ela poderia ser, entendeu?

Bernardo Oliveira – Parece que essa fragmentação está levando ao fim da música ligada à história do disco, sim ou não, e dependendo da resposta, então, qual é o peso da música hoje?

Arto Lindsay – Olha, eu acho que a música tem muito peso, os discos menos. O disco, como uma coleção de canções, que era uma coisa tão legal, rica, e cheia de possibilidades, não tá num bom momento, as pessoas escutam mais canções… Mas a música em si não deixa de ter um papel central na vida cultural, na vida das pessoas, sei lá, eu acho que a música continua… É difícil você achar música nova interessante, eu vivo naquela porra do Pitchfork, entendeu, ai, como tem música ruim, sabe, aí tudo bem, posso ir no Times mixtape, posso ir num lugar assim mais hipster, mas aí… tudo bem, música africana anos 70, eu amo, entendeu, mas eu queria pelo menos ouvir no meio um Tim Maia, não sei…Billie Holiday, seja o que for. Minha vizinha gosta muito, Billie Holiday, domingo de manhã, fica aquela coisa, aquela tristeza… (Risos).

RIO DE JANEIRO, SÃO PAULO, ÁUDIO REBEL

André Lavaquial – Nessas buscas musicais, o que você tem encontrado de novo aqui no Brasil?

Bernardo Oliveira –  Dentro dessa pergunta, você poderia morar em qualquer lugar do mundo, por que escolheu viver na aristocracia abandonada carioca e de repente na aristocracia abandonada carioca as pessoas te amam?

Arto Lindsay – Como me irritam esses hábitos aristocratas sem refinamento – pode colocar isso aí!

Bernardo Oliveira – Por que você escolheu o Rio de Janeiro e como você vê esse Rio de Janeiro que inventa rasteirinha…?

Arto Lindsay – Meu filho mora aqui. É um lugar que a mãe dele pode morar e eu posso morar e a gente vai ficar junto dele.

Bernardo Oliveira – E a música no Rio de Janeiro, o que você tá achando?

Arto Lindsay – Eu acho o Rio do caralho, entendeu, eu vivo dizendo que eu prefiro o Rio a São Paulo, que a vanguarda é mais interessante, é mais original, num sei que, aí eu fui fazer esse workshop no Red Bull e vi também muita coisa interessante lá, mas eu acho bom,  tem muita música boa aqui e eu sinto falta de uma mistura, a gente já conversou sobre isso, onde estão os sambistas? Tem que fazer o show dos caras no Audio Rebel, entendeu?

Bruno Cosentino – Quem concilia experimentação e um lado pop e que você gosta hoje no Brasil?

Arto Lindsay – Sabe quem eu gosto muito, é Metá Metá, eu não conheço ainda o pessoal de lá, o Kiko tá querendo me conhecer em parte porque eu tô querendo conhecer ele, tô muito a fim de conhecer os caras. Eu fui pra Itália agora e me perguntaram o que eu estava escutando, eu, bem, tem toda essa cena carioca, eu falei, não sei quem, não sei quê, mas tem também uns caras de São Paulo que eu tô ouvindo, que eu não conheço, que são Metá Metá, eles tinham acabado de fazer uma turnê, eles estavam tocando no dia que a gente fez o negócio lá.

Bruno Cosentino – Mudou muito com o fim da indústria do disco a sua carreira de músico, produtor?

Arto Lindsay – O que mudou é que não vale mais à pena produzir discos, porque era bem pago e hoje em dia não é bem pago e também eu cansei e de vez em quando eu tô mais a fim de fazer co-produções. Eu tenho um amigo meu pernambucano, Juliano Ferreira, que toca naquela Orquestra Contemporânea de Olinda, que eu produzi, ele quer fazer o disco dele, eu quero muito ajudar o cara, mas não quero ser “o” produtor, entendeu, e… tem outra cena que eu acho interessante no Rio, que só não se mistura um pouquinho, que é Luiz Felipe de Lima, Pedro Miranda, é uma turma que vem de um lugar supostamente careta, um samba supostamente acadêmico, mas que é muito bom! Cara, Pedro Miranda, eu acho um grande cantor! Adoro ele!